Após
quase 30 anos no corredor da morte, e depois de ter sido retirado do Corredor da Morte para junto da população prisional comum em
Janeiro deste ano, o jornalista e activista negro norte-americano,
ex-membro do Partido dos Panteras Negras, Mumia Abu-Jamal deu a sua
primeira entrevista televisiva a 10 de Abril à jornalista Anastasia
Churkina, do canal RT (ver link para a gravação em
http://cma-j.blogspot.pt/2012/04/big-brother-legalizado-nos-eua.html).
Eis alguns excertos dessa entrevista.
RT
–
Se não estivesses atrás das grades e pudesses estar em qualquer
lugar do mundo, onde estarias e que estarias a fazer? Mumia
Abu-Jamal
- Desde muito novo que sou o que se pode chamar de um
internacionalista.
Faço-o, prestando atenção ao que acontece noutras partes do mundo.
Como internacionalista, penso na vida que vivem outras pessoas pelo
mundo fora. Claro que, como afro-americano, adoraria passar algum
tempo nalgumas partes de África. Mas na verdade tenho muitos amigos
e entes queridos em França. Eu realmente gostaria de levar a minha
família, a minha esposa e as crianças a verem a nossa rua em
Paris.
RT
- Estando atrás das grades, parece que estás a assistir às
questões mundiais com mais proximidade do que grande parte das
pessoas que estão livres para andarem pelas ruas. Qual o evento dos
últimos 30 anos em que gostarias de ter partisicpado, caso pudesses?
MAJ
- Acho que o primeiro seria provavelmente ter estado no movimento
anti-apartheid na Ãfrica
do Sul. Porque lógicamente, para além de ser sul-africano, também
foi global, porque era a supremacia branca versus a liberdade e
dignidade do povo africano. Então, a África do Sul seria
lógicamente a primeira escolha. Mas onde quer que o povo esteja
a lutar pela liberdade, ganha a atenção dos meus olhos e move a
minha paixão.
RT
- Fazes 56 anos no fim do mês, o que significa que passastes mais da
metade de tua vida atrás das grades. A maioria das pessoas nem
sequer consegue imaginar isso. Como foi isso? De que forma te
modificou?
MAJ
- De facto, perdi grande parte da minha vida, a maior percentagem
dela, no corredor da morte. E como não poderia deixar de ser, isso
teve um efeito profundo na minha consciência e na forma como via e
interagia com o mundo. Eu gosto de dizer a mim mesmo que passei muito
tempo para além das grades, noutros países e noutras partes do
mundo. Porque o fiz mentalmente. Mas o mental apenas te pode levar
para longe. A verdade é que passei a maior parte dos anos da minha
vida no corredor da morte. Então, de diversas formas, ainda nos dias
de hoje, na minha mente, se não de facto, continuo no corredor da
morte.
RT
- A tua história de vida tornou-se num simbolo para muita
gente, vítima de um sistema judicial falido. Tu, pessoalmente, tens
alguma fé num sistema judicial justo e livre, tendo em conta que a
tua vida tem sido tão afectada por isso?
MAJ
- Quando eu era um adolescente nos Panteras Negras, lembro-me de ir
para o centro de Manhattan num protesto contra o encarceramento, a
prisão política e as ameaças que Angela Davis enfrentava...
Quando Davis atacava o sistema prisional, ela falava de talvez 250
000 ou 300 000 pessoas presas em todos os Estados Unidos como um
problema a tratar, uma crise, uma situação que se abeirava do
fascismo. Passados 30 a 40 anos, no presente, existem hoje mais de
300 000 prisioneiros só na Califórnia, um estado em cinquenta. O
numero de presos na Califórnia ultrapassa a França, Bélgica e
Inglaterra – posso citar o nome de 4 ou 5 países juntos.
Não
podíamos perceber nessa época no que se tornaria o futuro. É
monstruoso quando realmente se vê o que está a acontecer hoje.
Pode-se falar literalmente de milhares de pessoas encarceradas pelo
actual complexo prisional-industrial: homens, mulheres e crianças.
Este nível de encarceramento em massa, na realidade repressão
em massa, tem um impacto imenso sobre as outras comunidades, não
apenas entre as famlias, mas numa forma de consciência social e
comunal e na inculcação do medo durante gerações inteiras. Está
num nivel e numa profundidade que muitos de nós não conegue
sequer sonhar nos dias de hoje.
RT
- Falas sobre muitos assuntos sociais e económicos importantes na
tua obra. Qual è o teu sonho para hoje? Se pudesses ver um desses
aspectos modificados, qual escolherias? O que desejas poder ver
acontecer nos Estados Unidos?
MAJ
- Nunca há uma única coisa... devido ao sistema de interligação e
porque uma parte do sistema causa impacto noutra parte do sistema, e
ainda devido ao que Antonio Gramsci chamou de hegemonia do sistema
ideológico que causa impacto noutras partes do sistema. Não poderás
mudar uma coisa que terá impacto em todas as outras. Esta è uma das
lições dos anos 60, porque o movimento pelos direitos civis falava
em integração e mudança nas escolas. A verdade è que olhamos para
a vasta maioria das crianças negras pobres da classe operária nas
escolas norte-americanas de hoje, e elas vivem e passam as suas horas
e os seus dias no sistema, tão profundamente segregadas quanto os
seus avós, mas não segregadas apenas pela raça, segregadas pela
raça e pela classe.
As
escolas que os meus netos frequentam são piores que as escolas que
frequentei na minha infância e adolescência. Isto è uma condenação
do sistema, mas porque as gerações anteriores se concentraram
apenas numa coisa ou num lado do problema, o problema realmente
tornou-se cada vez pior. E embora haja muita retórica sobre as
escolas, as escolas norte-americanas são uma tragédia.
RT
- Fostes referenciado pelo FBI aos quatorze anos. Agora, com leis
como a NDAA a ser implementadas nos Estados Unidos, sempre que as
pessoas são vigiadas e detidas, isso tornou-se mais fácil que
nunca. Achas que o «Big Brother» mostrou oficialmente a sua face
neste país?
MAJ
- Se olharmos para trás, fica claro que o FBI, os seus dirigentes e
agentes sabiam que tudo o que faziam era ilegal. Os agentes do FBI
foram ensinados e treinados a invadir lugares, a fazer o que eles
chamavam de black
bag jobs
e esse tipo de coisas, a como cometerem crimes. E também lhes
diziam: é melhor fazeres isso sem seres apanhado, porque se fores
apamhado vais para a cadeia e nós agiremos como se não te
conhecêssemos, ficarás por tua conta. O que tem acontecido nos
últimos vinte ou trinta anos não é apenas a NDAA, mas sim o tão
proclamado Patriot
Act
que tem legalizado tudo o que foi ilegal entre os anos 50 e 70. Eles
legalizaram as mesmas coisas que os agentes e administrativos do FBI
sabiam ser crime na época. Isto significa que eles podem ter acesso
à tua correspondência, certamente podem ler e-mails, escutam os
telefones, fazem tudo isso. Fazem-no em nome da segurança nacional.
O que estamos a viver hoje è um estado de segurança nacional onde o
Grande
Irmão
está legalizado e racionalizado.
RT
– Tens descrito os políticos como prostitutas de fato,
desculpando-te perante as prostitutas honestas. Em época de eleições
nos Estados Unidos, gostaria de perguntar em quem as pessoas deveriam
confiar, em quem votarias?
MAJ
- Em ninguém. Não vejo ninguém em quem possa votar hoje em sã
consciência. Porque a maior parte das pessoas que estão ali são de
dois partidos políticos maioritários e tudo o que ouço è uma
forma de loucura - um desejo de regresso aos dias de juventude dos
anos 50 ou então falam sobre a perpetuação do império
norte-americano, o imperialismo. O que há para votar? Quantas
pessoas vão conscientemente ás urnas votar pelo imperialismo, por
mais guerra ou para que o seu filho ou filha, pai ou mãe, se tornem
membros das forças armadas e assassinos em massa?
RT
- Pareces ter aprovado o movimento Occupy
Wall Street
que surgiu este ano nos Estados Unidos. É este tipo de revolta que
achas que poderia mudar a América e fazer bem aos Estados Unidos?
MAJ
- Penso que è o começo desse tipo de revolta. Porque tem de ser
mais profundo, tem de ser mais amplo, tem de visar as questões que
estão a tocar as vidas das pessoas pobres da classe operária... È
um bom começo, apenas desejaria que fosse maior e mais radical.
RT
- És a voz dos sem voz. Qual è a mensagem para os teus apoianteses
agora, para aqueles que te estão a ouvir?
MAJ
- Organizem, organizem, organizem. Amo-vos a todos. Obrigado por
lutarem por mim e vamos lutar juntos pela liberdade.
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