"Escravatura e nepotismo corporativo em Vale de Judeus "
Trabalhadores da estufaria e da oficina mecânica são usados pelos guardas prisionais como trabalhores sem remuneração (escravos, não é assim que se diz?) para arranjar e embelezar carros dos próprios guardas ou de familiares. Além de arranjar e estufar carros, a prática é de tal modo banal que até para lavar carros as instalações da cadeia e o trabalho dos presos serão usadas. A estufaria também será usada do mesmo modo por quem disponha de “conhecimentos”. E o trabalho também não é remunerado. Vêm sobretudo cadeira e maples para modernizar.
Os serviços são usados pelos guardas, familiares, amigos e também magistrados judiciais e do ministério público cujas funções são de tutela daquele estabelecimento prisional, através do Tribunal de Execução de Penas.
Uma denúncia destas não pode deixar de ser investigada. Até porque o próprio ministério público, segundo se reclama, está bem dentro do assunto. A ACED não tem ilusões, claro, sobre as conclusões dos diversos inquéritos que esta denúncia poderá gerar. Mas não pode também deixar de levantar o problema: como é que alguma denúncia pode algum dia ser validada – logo haja razão para tal, evidentemente – se o grau de promiscuidade corporativa e exploração dos presos pode admitir práticas deste jaez?
A ACED gostaria de poder afirmar que uma denúncia destas é praticamente impossível de corresponder a alguma verdade substancial. Porém, em caso de importância bem menor (tratava-se se um canil clandestino) entidades inspectivas contestaram – por escrito – a denúncia dizendo que ninguém ganharia com a regularização daquele caso. Que terá sido regularizado, tanto quanto nos informaram.
A ACED não sabe se este caso vai ser regularizado. Mas o problema que a simples existência da possibilidade de uma coisa destas poder ocorrer levanta é bem mais fundo. Remete para a neutralidade do tribunal de execução de penas, em particular no julgamento de denúncias que são feitas por presos ou guardas e que possam atingir alguém envolvido num circuito deste tipo. Ou para a gestão das carreiras penitenciárias por guardas avulso.
Noutra prisão, a respeito de uma denúncia de um espancamento, o guarda abusador acordou com o recluso em quem bateu trocar o seu silêncio por uma saída precária. Esta situação não é singular. O que foi singular, nessa vez, foi a evidência que ocasionalmente se obteve de que uma investigação (pouco cuidada) teve dificuldade em chegar à verdade. Claro: ambos os protagonistas estavam acordados para o efeito. E os direitos não eram para ali chamados (talvez por nunca ou raramente o são ou há esperança de que o sejam).
A questão é saber como um guarda pode oferecer uma precária ou uma liberdade condicional, como consta frequentemente ser o método principal de gestão das cadeias portuguesas? Possibilidade de oferta de que se fala correntemente nas prisões, como modo de condicionar os comportamentos dos presos. Uma resposta potencial está na denúncia que aqui transmitimos. Será a conhecida omerta penitenciária uma característica da cultura dos presos ou da cultura das corporações que regulam a vida dos presos?
Às autoridades competentes pedimos, por vezes, sem sucesso, que se organizem para procurarem entender as perversidades do sistema, tomado como um sistema, como se as pudessem ultrapassar. Sem ilusões sobre o detalhe com que assuntos tão delicados vão ser tratados, estamos obrigados pelas circunstâncias a repetir o apelo. As prisões contaminam (e são contaminadas) pelo que se passa à sua volta. Mas há que começar por algum lado.
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