CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

RELATÓRIO DA VIVÊNCIA DOS RECLUSOS DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE LISBOA NA SEMANA DA GREVE DOS GUARDAS PRISIONAIS

Via ACED recebemos o relatório seguinte

“RELATÓRIO DA VIVÊNCIA DOS RECLUSOS DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE LISBOA NA SEMANA DA GREVE DOS GUARDAS PRISIONAIS.
 
Como é do conhecimento geral, o sindicato dos guardas prisionais decidiu iniciar um período de greve que, salvo se não houver acordo com as entidades governamentais, terá ao todo uma duração de 40 dias.
 Nesta primeira fase, a greve decorreu entre 23 e 30 de Abril, estando a segunda fase programada para acontecer de 6 a 13 de maio.Independentemente dos motivos que impulsionaram esta luta, que até poderemos considerar justa, a verdade é que esta greve teve repercussões negativas na rotina da vida dos reclusos nos estabelecimentos prisionais.
Não sendo uma causa dos reclusos, como se não bastassem as limitações que em regime normal estes têm pelo facto de estarem detidos, perece-nos inadequado que sejamos “arrastados” de forma negativa para uma causa que nos é alheia.
 
 
Passamos a reportar com detalhe algumas das situações que passaram a ser de excepção para os reclusos a partir do dia 24/04 e que temos conhecimento, foram negadas pelo alto responsável com o pelouro desta área na TV, a citar:
1)      Foi-nos interditado o acesso às cabines telefónicas que foram desligadas impedindo contacto com familiares, advogados, amigos, enfim poder participar em decisões de urgência que pudessem surgir, sem timoneiro;
2)      Foi encerrada a biblioteca impossibilitando os reclusos de ter acesso a quaisquer leitura que nos ajudam a aliviar o excesso de tempo (+ou- 23 horas) a que fomos obrigados ficar fechados nas celas;
3)      Foi interrompido o envio e recepção de correspondências, impossibilitando acompanhar, orientar ou colaborar em processos ou negócios, decisões que requerem a supervisão dos responsáveis de topo;
4)      Foi interrompido todo o tipo de pedidos de autorizações dirigidos à directora e diferentes serviços da instituição (enfermagem, médicos, educação…..)Como exemplo temos um companheiro a quem foi diagnosticado Depressão Major há meses e ele não recebeu qualquer tratamento ou suporte durante o período;
5)      Foi encerrado o bar/cantina, única fonte que dispomos para nos abastecermos de géneros alimentares básicos e outros, o que nos tem limitado a equilibrar os períodos entre as refeições ou quando as refeições que nos são servidas estão impróprias para consumo, tendo já ocorrido dias em que sentimos fome dentro da cela;
6)      Foi encerrado o pequeno ginásio que uma das alas dispõe, espaço exíguo mas que possibilita a alguns reclusos fazer um pouco de actividade física para se manterem saudáveis física e psicologicamente, ocupando o tempo, reduzindo o stress e a tensão de estarmos aprisionados;
7)      Não foram repostos artigos de higiene básicos de frequência semanal como papel higiénico e sabonete, assim como a reposição semanal da roupa de cama;
8)      Foram interrompidas todas as visitas de familiares e advogados nos períodos pré-estabelecidos durante 8 dias, impossibilitando a comunicação com os mesmos, assim como o envio e recepção de roupas e comida para reposição obrigando-nos a grandes limitações na higiene diária;
9)      Direito a apenas 1h30m de acesso ao pátio à luz do dia, mantendo-nos retidos no interior da cela durante 22 horas consecutivas;
10)   As refeições servidas (pequeno – almoço, almoço e jantar) são frequentemente repetidas e desequilibradas. Enriquecidas em hidratos de carbono (calorias) e algumas proteínas. São desprovidas de fibras, vitaminas e sais minerais.
11)   O peixe servido, além de escasso, resume-se a carapaus e sardinhas cuja qualidade pomos em questão considerando o cheiro pútrido emitido, e as vísceras e cabeças bastante desintegradas. Também na maioria dos casos recorrem à fritura que não é uma forma saudável de cozinhar os nutrientes;
12)   Todas as actividades lúdicas existentes sendo o ténis de mesa e o bilhar foram canceladas durante este período;
13)   Só dispomos de água quente para banho diariamente das 07:45 às 08:00hs, uma vez por dia;
14)   Diariamente somos confrontados com cenários degradantes, por exemplo durante a visita ao pátio externo com a presença constante de ratazanas de grandes tamanhos em circulação perante nós, na busca de comida neste pátio carregado de lixo sem limpeza sobretudo em toda a zona circundante. Ao dia de hoje enquanto fazíamos caminhada de descontracção, encontrava-se 8 cadáveres de ratos (porque alguns reclusos matam os ditos bichos) espalhados pela zona por onde circulamos, alguns em estado de putrefacção;
15)   Durante as 3 refeições do dia realizadas no refeitório é exigido um silêncio sepulcral respeitado por todos os reclusos vigiados por vários guardas. A política de repressão e abuso de autoridade está sempre presente e reforçada pelos agentes prisionais. Paradoxalmente, durante a vigência da greve houve alguns guardas que publicamente no refeitório instigaram os reclusos a descontrair e manter o diálogo, sendo em posteriores turnos esta orientação novamente interditada com represálias para os reclusos, o que revela falta de unidade e orientação do topo (Chefe da ala) em relação aos subordinados, deixando os reclusos sem saber como se comportar;
16)   Durante os dias de greve os jantares que são assinalados com campainha às 17:30 hs habitualmente, tiveram tratamento de excepção! Abriram as celas às 17:00hs, as 17:15 já nos obrigavam a jantar, o toque das 17:30 soava normalmente, e as 17:45 já nos estavam a fechar novamente na cela, quando o normal é as 18:30.
 
A limpeza da cela assegurada com vassoura, pá, esfregona, balde e detergentes tem de ser suportada pelos reclusos. Estes e outros produtos vendidos no bar/ cantina não são autorizados vir do exterior. Acontece que todos os produtos vendidos no bar/cantina são substancialmente mais caros que no exterior, quando os reclusos enquanto detidos são muito limitados como é do conhecimento geral. Segundo nosso ponto de vista, e salvo melhor opinião, é de denunciar esta forma ilícita de obrigar os reclusos a adquirir aquilo que por direito a instituição devia facultar ( Ex.: produto de limpeza da cela, como acontece em alguns estabelecimentos prisionais) e mais grave do que isso impede a entrada exterior de artigos de higiene e comida limita apenas a 1kg/ semana, assegurando desta forma um negócio altamente rentável e lucrativo dentro de cada Ala, tudo suportado pelos reclusos. (Ex .: uma garrafa de água de 1,5l custa 0,80€ !!!);
Em conclusão, consideramos desumano, indigno, revoltante, violador dos direitos da cidadania consagrados na constituição portuguesa e qualquer uma civilização, impróprio, excessivo, humilhante para a condição humana, propiciador de estados psicóticos, revelador da falta de compaixão pelo ser humano, incapaz de re-habilitar qualquer cidadão apanhado justa ou injustamente pelas teias da lei, um sistema incapaz de promover uma reintegração social condigna. Um desrespeito pelos direitos mais elementares do ser humano:
ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE LISBOA.
Este tipo de tortura vai continuar a ser praticado por um membro da comunidade europeia impunemente ?
Gostaríamos que denunciassem este testemunho sofrido às entidades competentes e à Sua Santidade o Papa Francisco.
Lisboa, 03/05/2013.”

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