As agressões em esquadras da PSP são uma constante,os casos que relatamos constam do jornal público nestes últimos dois dias.
Quinta-feira, 14 de Julho de 2011
14.07.2011
Por José Bento Amaro (Público)
Os dois agentes da PSP que esta semana foram condenados a quatro anos de prisão efectiva por, em 2008, terem agredido um estudante alemão, na esquadra das Mercês, no Bairro Alto, em Lisboa, também foram sujeitos a identificação num outro processo de ofensas corporais graves supostamente cometidas no mesmo local. As queixas de agressões alegadamente praticadas naquela esquadra são frequentes. No Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) correm, actualmente, pelo menos mais três inquéritos contra efectivos daquele posto policial.
"Estava numa rua a beber, com um amigo. Senti um empurrão nas costas. Era a polícia. Revistaram e identificaram dezenas de pessoas. Depois, aos que não tinham identificação, como eu, levaram-nos para a esquadra", disse ao PÚBLICO Bruno Oliveira, um jovem actualmente com 23 anos e que terá sido espancado dentro daquelas instalações policiais.
"Estive na esquadra durante uma hora e meia a duas horas. Passei muito tempo com os braços cruzados por cima da cabeça. Depois, tal como as cerca de 20 pessoas que foram levadas para a esquadra, fui enfiado numa sala e espancado. Por fim a porrada era tanta que optei por me deitar para o chão, para levar menos. Pisaram-me e deram-me pontapés. Havia um rapaz que pediu para ir à casa de banho. Levaram-no, não sei para onde, e só se ouvia gritar. Espancaram-no", diz ainda o jovem lembrando os acontecimentos daquela noite de 27 de Novembro de 2009.
João Miguel terá sido outra das vítimas dessa mesma noite. Conta a mesma versão do amigo Bruno Oliveira, salientando que foi o primeiro a ser agredido. "Um agente bateu-me com uma cadeira nas costas e, mais tarde, obrigou-me a limpar o sangue que estava no chão dizendo: "Olha o porco que tu és"", relata.
Estes dois jovens foram assistidos no Hospital de Santa Maria e possuem relatórios médicos que confirmam as mazelas. Aguardam ambos que terminem as identificações que desde então estão a ser realizadas no DIAP de Lisboa. De acordo com Bruno Oliveira, alguns dos agressores até já foram reconhecidos. "Identifiquei quem me bateu e outros que estavam na esquadra", diz.
No DIAP lisboeta, de acordo com o que o PÚBLICO apurou, correm ainda inquéritos que visam agentes policiais da 3.ª esquadra (a esquadra das Mercês ou dos "Terramotos") que terão agredido diversas pessoas. Terá sido assim com o turista inglês Richard Lewis (inquérito 325/10.7) ou com outros jovens portugueses que ainda aguardam pelas conclusões do inquérito número 884/10.4 cuja origem foram alegados espancamentos cometidos no dia 1 de Junho do ano passado.
As primeiras investigações das eventuais agressões praticadas na esquadra das Mercês (ou noutro qualquer posto policial) passam sempre pela Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI). É ali, após coordenação de efectivos policiais e magistrados, que se recolhem os primeiros depoimentos e se fazem sugestões visando o eventual encaminhamento dos casos para os tribunais. No entanto, falta celeridade nas decisões e as recomendações nem sempre merecem resposta por parte dos comandos policiais. Tal terá sido o que aconteceu no caso ontem noticiado pelo PÚBLICO relativo à condenação dos dois agentes da PSP que agrediram o alemão Adrian Grunert.
A sentença proferida (a mais severa de que há conhecimento, suplantando as penas aplicadas em casos em que houve mortes) contemplou apenas dois dos quatro polícias que a IGAI interrogou. O graduado de serviço na esquadra na noite das agressões e a oficial de serviço ao Comando Distrital de Lisboa, para os quais foi sugerido que se instaurassem processos disciplinares, passaram incólumes. Também as recomendações para que no futuro fossem revistos (na Escola Prática de Polícia) os procedimentos para abordagem de cidadãos, bem como a sua condução às instalações policiais, não mereceu qualquer resposta.
O PÚBLICO tentou obter junto da Direcção Nacional da PSP dados relativos a penas aplicadas a polícias condenados por crimes de ofensas corporais A PSP informou não possuir dados estatísticos. O relatório da IGAI de 2010 refere que nesse período se registaram 167 casos de ofensa à integridade dos cidadãos. Respondendo a esses números, a Associação Sindical dos Profissionais da PSP (ASPP) lembrou que esse número não corresponde às condenações decretadas pelos tribunais, lembrando ainda a especificidade do trabalho dos polícias.
Publicada por SOS PRISÕES
Jovem de 23 anos foi espancado e humilhado numa esquadra em 2008
Dois agentes da PSP condenados a pena de prisão efectiva13.07.2011
Por Andreia Sanches (Púbico)
Dois agentes da PSP foram ontem condenados a uma pena considerada rara em Portugal: quatro anos e três meses de prisão efectiva, num caso, e quatro anos, noutro. Em Julho de 2008, agrediram um estudante alemão no interior da esquadra das Mercês, no Bairro Alto, com murros e pontapés. Os juízes da 5.ª Vara Criminal de Lisboa entenderam que as atitudes provadas durante o julgamento colocam em causa os próprios fundamentos do Estado. O colectivo lembrou que um Estado de Direito afere-se pela forma como trata os delinquentes, mas também pelo modo como pune os seus agentes quando estes se comportam como os arguidos. Foram dados como provados os crimes de ofensa à integridade física qualificada, coacção grave e abuso de poder.
O caso remonta a Julho de 2008: Adrian Grunert, um alemão então com 23 anos que se encontrava a estudar Linguística em Portugal, ao abrigo do programa Erasmus, saiu de casa no dia 25 à tarde para ir ao Museu de Arte Antiga, em Lisboa, com a namorada. O casal apanhou um eléctrico. Ela entrou, ele pendurou-se na traseira do veículo e seguiu viagem sem pagar bilhete. No Largo Conde Barão, quando o eléctrico estava parado, foi agarrado por dois agentes - Rui Neto e Osvaldo Magalhães.
Apesar de inicialmente recusar acompanhar os polícias, dizendo que tinha consigo os documentos de identificação e que a namorada estava dentro do eléctrico, acabou por ser levado para a esquadra das Mercês, sozinho. E é aqui, segundo o tribunal, que os agentes, usando luvas de couro, lhe desferiram vários murros que o atingiram na cara, têmporas e orelhas.
Ontem, ao PÚBLICO, a Direcção Nacional da PSP fez saber que não tinha informação oficial sobre a condenação. Quanto aos dois agentes, nunca admitiram as agressões.
Quando foi agredido, Adrian tentou fugir, mas foi empurrado, caindo no chão. Segundo o tribunal, foi então pontapeado nas costas, no peito e nas pernas. Pediu ajuda e os agentes ter-se-ão rido.
Durante o tempo em que esteve na esquadra, também lhe foi exigido que se despisse totalmente para que lhe fosse feita uma revista. Não queria, mas acabou por se despir e foi-lhe ordenado que se colocasse de cócoras e se baixasse e levantasse algumas vezes. Um método de revista que um dos agentes admitiria, durante o julgamento que começou já em Abril deste ano, que foi excesso de zelo. Um método que, para o tribunal, constitui uma enorme humilhação. Mais: os juízes entendem que o facto de o jovem viajar sem bilhete nem sequer justificaria a detenção para identificação.
Adrian tinha consigo 0,2 gramas de haxixe, que lhe foram apreendidos. Mas os agentes não elaboram nenhum auto de ocorrência, concluíram ainda os juízes.
Depois de sair das Mercês, o jovem foi directamente à esquadra da Lapa apresentar queixa. E, de seguida, ao hospital. Lesões detectadas: traumas múltiplos no corpo, hematoma retroauricular, escoriações no cotovelo, no hipocôndrio e nas costas, cervicalgias.
Pena "relativamente anormal"
Contactado pelo PÚBLICO, Carlos Paisana, o advogado de Adrian - que, entretanto, regressou à Alemanha, onde vive - diz que os agentes da PSP terão intenção de recorrer da sentença. Recorda que outros terão participado nas agressões, mas que não foram acusados. Mas considera a sentença "muito correcta e muito importante".
"O facto de o tribunal não suspender a pena mostra que esta deve ser entendida como exemplar", explica. "O juiz destacou a especial censurabilidade de actos cometidos sob, disse, a habitual cortina de fumo de uma esquadra."
Marinho Pinto, bastonário da Ordem dos Advogados, não conhece o caso em concreto. Mas diz que a pena "não é pesada em face da gravidade dos crimes imputados". É, contudo, "relativamente anormal dada a tradição de complacência do poder judicial em relação à arbitrariedade da polícia". O bastonário afirma que há "cenas de verdadeira tortura praticadas nas esquadras da PSP, postos da GNR e pela PJ" e que os magistrados "tendem a ter uma complacência exagerada".
Também Francisco Teixeira da Mota, advogado, não se recorda de penas de prisão efectiva aplicadas a agentes policiais, nomeadamente em casos em que não há mortes. "É seguramente uma condenação rara."
A não suspensão da pena, explica, significa que o tribunal quer dar à sociedade um sinal de que há "uma condenação efectiva" deste tipo de actos.
Publicada por SOS PRISÕES
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