595 empregadas de limpeza gregas: 11 meses de luta cerrada contra o
governo e a Troika
Por
Sonia Mitralias
Dispensadas em
Setembro de 2013 e colocadas sob estatuto de «disponibilidade»,
despedidas ao fim de oito meses, e após 11 meses de um longo e
amargo combate, as 595 empregadas de limpeza da função pública
tornaram-se a encarnação, o símbolo, a alma e a vida da
resistência contra a política de austeridade na Grécia! Estas
mulheres tornaram aos poucos «sujeito político» e líderes de toda
a actual resistência contra a política da Troika, ousando afrontar
um inimigo tão poderoso como o governo grego, o Banco Central
Europeu, a Comissão Europeia e o FMI...
E no entanto, após
11 meses de luta, após terem desafiado e tornarem-se o inimigo
principal do governo e da Troika, depois de terem curto-circuitado a
aplicação de medidas de austeridade, depois de uma presença
mediática na cena política, as empregadas de limpeza em luta ainda
não são consideradas como sujeito político pelos opositores da
austeridade.
E no entanto, desde
o início das medidas de austeridade infligidas pela Troika que as
mulheres tomaram a rua em massa e a sua resistência parece ter uma
dinâmica muito própria e rica de lições políticas.
Durante estes
quatro anos de políticas de austeridade que transformaram a Grécia
num amontoado de ruínas sociais, económicas e sobretudo humanas,
falou-se muito pouco da vida das mulheres e certamente ainda menos
das suas lutas contra o ditames da Troika. Por isso é com surpresa
que a opinião pública acolhe esta luta exemplar feita inteiramente
por mulheres. Mas será realmente uma surpresa?
Elas participaram
em massa nas 26 greves gerais. No movimento dos indignados, elas
ocuparam praças, acamparam e manifestaram-se. Elas estiveram na
linha da frente na ocupação e autogestão da ERT (televisão
estatal grega). Exemplares, elas eram a alma das assembleias de
grevistas das administrações universitárias na educação e nas
universidades contra a «disponibilidade», isto é, o despedimento
após 8 meses com 75% do salário. 25 mil funcionários do Estado, na
maioria mulheres, foram afectadas pelo «emagrecimento» dos serviços
públicos. Elas constituem também a maioria esmagadora (95%) dos
voluntários do Movimento de Solidariedade e dos dispensários
autogeridos que tentam fazer face à crise sanitária e humanitária.
A participação
massiva das mulheres, nos movimentos de resistência contra a
destruição do Estado social pelas políticas de austeridade, não é
portanto uma surpresa, não é fruto do acaso: primeiro, porque a
condição das mulheres está no olho do ciclone da austeridade. A
destruição do Estado social e dos serviços públicos fez explodir
a sua vida: enquanto empregadas maioritárias da função pública e
enquanto utilizadoras principais dos serviços públicos, as mulheres
foram duplamente afectadas por todo o tipo de cortes. Elas têm pois
mil razões para não aceitar a regressão histórica da sua condição
feminina, que equivalerá a um verdadeiro regresso ao século XIX!
É verdade que
inicialmente elas não se demarcavam como «sujeito político
mulheres», partilhando as mesmas reivindicações e as mesmas formas
de luta com os homens nos movimentos. Elas eram numerosas apenas.
Mas, já na luta
pioneira contra a extracção de ouro na região de Skouries, em
Chalkidi (norte da Grécia), opondo-se à multinacional canadiana
Eldorado, as mulheres rapidamente se distinguiram pelas formas de
luta e sua radicalidade. E se a imprensa e a opinião pública
ignoravam a incidência da sua identidade de género na forma de
lutar, a polícia não fazia o mesmo! Com efeito, a polícia
anti-motim tomou como alvo particularmente as mulheres, utilizando
uma repressão feroz e selectiva para aterrorizar toda a população
através de ELAS, para aniquilar qualquer desobediência ou movimento
de resistência. Criminalizadas, prisioneiras, elas sofreram
violências humilhantes, mesmo sexuais e... específicas do seu corpo
e do seu... género!
Numa segunda
fase, as mulheres exprimiram-se por iniciativas e formas de luta
próprias.
Tudo começou
quando, para impor a parte mais dura do seu programa de austeridade e
satisfazer os compromissos relativos aos seus credores, o governo
tomou como alvo prioritário as mulheres de limpeza do Ministério
das Finanças, da administração fiscal e das alfândegas.
Remeteu-as ao estatuto de «disponibilidade» desde o final de Agosto
de 2013, o que significa que ficaram a receber três quartos do seu
salário de 550 euros durante oito meses, antes de serem despedidas
definitivamente. O governo seguiu exactamente a mesma estratégia que
em Skouries. O objectivo: atacar primeiro os mais fracos e menos
susceptíveis de serem apoiados... ou seja, as empregadas de limpeza,
para em seguida remeter o grosso dos empregados ao esquecimento, para
chegar a despedir 25 mil funcionários públicos! E isto no momento
em que os movimentos de resistência estavam já sangrados pela
austeridade sem fim, atomizados, fatigados, extenuados,
vulneráveis...
O governo
acreditava que – com «esta categoria de trabalhadores», as
mulheres pobres de «classe baixa» com salários de cerca de 500
euros, e, pensavam, pouco inteligentes (daí o slogan das mulheres de
limpeza: «Nós não somos mulas, somos mulheres de limpeza») –
conseguiria rapidamente esmagá-las como moscas.
O objectivo era
privatizar o trabalho das empregadas de limpeza e oferecê-las de
presente às empresas privadas de limpeza. Estas sociedades mafiosas,
conhecidas por serem campeãs da fraude fiscal, remuneram com
salários de 200 euros por mês, ou seja, 2 euros por hora, com
seguro parcial, sem qualquer direito laboral, o que equivale a
condições de semi-escravatura.
Estas mulheres
despedidas e sacrificadas no altar da antropofagia da Troika, estas
mulheres de 45 a 57 anos, muitas com famílias monoparentais,
divorciadas, viúvas, endividadas, com crianças a cargo ou maridos
desempregados ou familiares deficientes, encontrando-se diante da
impossibilidade de obter prematuramente a sua reforma, após mais de
20 anos de trabalho, e desprovidas de qualquer possibilidade de
encontrar trabalho, decidiram não se deixar ficar. E tomaram as suas
vidas em mãos!
Foi assim que um punhado de mulheres
decidiu agitar as rotineira formas de luta dos sindicatos
tradicionais. Algumas tomaram a iniciativa de se organizar por si
próprias, um núcleo de empregadas de limpeza que já tinha lutado e
ganhado, dez anos antes, o direito a contratos de longa duração.
Elas trabalharam como formigas, tecendo pacientemente um teia de
aranha à escala do país...
E como estas servidoras do Ministério
das Finanças foram mandadas para a rua e porque fazer greve no seu
caso já não fazia sentido, elas decidiram fazer um muro humano com
os seus corpos, na rua diante da entrada do Ministério das Finanças
na Praça Sintagma em Atenas, a praça que fica diante do parlamento,
o lugar mais emblemático do poder...
Não é um acaso que sejam as mulheres
a fazer nascer formas luta cheias de imaginação. Desconsideradas
por causa do seu sexo e classe social, marginalizadas pelos
sindicatos e sem ligações às organizações tradicionais da
esquerda grega, elas tiveram que fazer barulho até serem ouvidas e
compreendidas, tiveram que criar uma imagem para se tornarem
visíveis!
As greves passivas,
as jornadas de acção efémeras e ineficazes, foram substituídas
pela acção directa e colectiva. Elas apostaram na não-violência,
no humor e no espectacular. Usando coroas de espinhos na cabeça, na
Páscoa, com a corda ao pescoço diante da sede do partido Nova
Democracia, ou com música e com danças, elas reclamam: a
recontratação imediata para todas! Tudo isto é inédito na
Grécia...
Elas ocupam e
bloqueiam o acesso ao Ministério, e sobretudo elas perseguem os
membros da Troika quando querem entrar no ministério (!)
obrigando-os a fugir a correr e a usar a porta de serviço, junto com
os seus guarda-costas. Elas afrontam e batem-se corpo a corpo com as
unidades de polícia especial. Todos os dias, elas inventam novas
acções, que são acompanhadas pelos média, e alertam toda a
população: em suma, elas quebram o isolamento. E assim é que,
aquilo que habitualmente é representado por estatísticas sem vida e
sem alma, pelos números dos recordes do desemprego e da pobreza, eis
que estas «abstracções» se humanizam, adquirem um cara, tornam-se
mulheres de carne e osso, que além disso têm personalidade e
vontade política próprias. Elas chamam-se Litsa, Despina, Georgia,
Fotini, Dimitra… E com o seu exemplo, a sua coragem, a sua
perseverança, a sua raiva de vencer, elas devolvem esperança a
todas as vítimas da austeridade...
Mas atenção, as
forças anti-motim brutalizam quase quotidianamente estas mulheres,
para dar o exemplo, pois os patrões temem o contágio. E é toda a
Grécia que assiste ao triste espectáculo destas mulheres, muitas já
de idade avançada, que, dia após dia, são pisoteadas, maltratadas
e feridas pelos Rambos da polícia, que poderiam ser seus filhos! E
porquê? Porque a própria Troika quer abatê-las, pois são exemplo
a imitar por todos os oprimidos, pois são a ponta da contestação
anti-austeridade, não somente na Grécia mas em toda a Europa.
Porque a sua luta pode tornar-se contagiosa...
*Sonia Mitralia é
membro de «Mulheres contra a dívida e as medidas de austeridade»
na Grécia.
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