CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

7 de Novembro - 175 anos do levantamento quilombo de Manoel Congo


 
Mais de 300 escravos fugiram das casas-grandes naquele dia em busca de liberdade.

Era 1839, e o Brasil vivia um dos períodos em que mais se traficou escravos para o país. No Rio de Janeiro existia uma região altamente desmatada e que foi dedicada para a produção do café, ao sul fluminense, ficou conhecida a Vila de Vassouras.
A plantação de café era um dos pilares do Império, o que fez a região se expandir para quase todas as localidades próximas, através das tradicionais senzalas instaladas em grandes fazendas do estado.
Um dos fatores que certamente afetaram no que ficou conhecido como levante de Manoel Congo, ou Quilombo de Manoel do Congo, foi que a população escrava naquele local era enorme. Em 1840 a vila tinha 20.589 habitantes, dos quais 6.225 livres e 14.333 escravos.
Nessa década o clima estava quente entre os escravos, que estavam influenciados pelos boatos que se espalharam por todo Brasil da Revolta dos Malês (1835), que foi uma revolta constituída por    “pretos minas”, escravos de origem muçulmana e que levantaram de forma mais organizada a luta pelo fim da escravidão.
No Rio de Janeiro, no dia 5 de novembro de 1838, o capataz da chamada fazenda Freguesia matou a tiros o escravo africano Camilo Sapateiro quando este ia sem autorização para a fazenda Maravilha.
Alguns escravos esboçaram uma reação no sentido de espancar o capataz, mas essa medida não foi adiante. Contudo, a impunidade diante dos crimes cometidos por capatazes fez aumentar o clima de revolta entre os escravos da região. Os tribunais, como ainda são, se constituíam numa farsa completa.
No mesmo dia 5, cerca de 100 negros arrombaram as portas da fazenda Freguesia, levando as escravas, e saqueando um depósito da fazenda para pegar facões e outras armas. Acabaram por se esconder numa mata próxima, durante a noite.
O método foi reproduzido na noite seguinte, com o grupo passando de fazenda em fazenda e se juntando a eles escravos libertos. Conta-se que escravos que se recusaram a participar do levante também foram espancados. A adesão de escravos de outras fazendas faz parecer que houve algum tipo de planejamento para o levante.

Manuel Congo
O sobrenome do escravo geralmente pretendia identificar a origem do mesmo e o primeiro nome tinha o costume de ser o nome do proprietário do escravo, daí Manuel Congo.
Provavelmente Manuel Congo tenha sido a principal liderança desse levante, pois foi colocado como “rei” do levante, junto com Marianna (ou Maria) Crioula, chamada de rainha pelos que foram capturados.
Os negros se juntaram em massa num determinado local da mata, sendo chamado de Quilombo Manuel Congo. Os quilombos tiveram como característica, isso em nível nacional, de ser um lugar de refúgio e resistência dos negros, como estoicamente nos mostra Zumbi e o Quilombo dos Palmares.
Em nome da “ordem e do sossego”, 160 homens da Guarda Nacional foram destacados para combater o levante que vinha ganhando adesão de vários escravos de outras fazendas e começava a causar preocupação do regime.

A resistência negra
O coronel que comandou a ação foi Lacerda Vernek , que em um de seus memorandos, datado de 11 de novembro daquele ano, informa que logo que as tropas localizaram os primeiros revoltosos, os escravos fizeram uma linha e pegaram as armas, “umas de fogo, outras cortantes”.
Prossegue: “este insulto foi seguido de uma descarga que matou dois dos nossos e feriu outros dois. Quão caro lhes custou! Vinte e tantos rolaram pelo morro abaixo à nossa primeira descarga, uns mortos e outros gravemente feridos”.
Os escravos resistiram como puderam, contudo, em desvantagem, especialmente no tocante às armas de fogo, começaram a se abrigar ao que o coronel afirmou: “notei que nem um só fez alto quando se mandava parar, sendo preciso espingardeá-los, pelas pernas (...) uma crioula de estimação de Dona Francisca Xavier não se entregou senão a cacete, e gritava: morrer sim, entregar não!!!".
Aos poucos, foram ficando poucos sobreviventes do levante e foram encurralados na mata. Outros se dispersaram e acabaram morrendo de fome. 16 resistentes foram presos e levados a julgamento: Manuel Congo, Pedro Dias, Vicente Moçambique, Antônio Magro, Justino Benguela, Belarmino, Miguel Crioulo, Canuto Moçambique, Afonso Angola, Adão Benguela, Marianna Crioula, Rita Crioula, Lourença Crioula, Joanna Mofumbe, Josefa Angola e Emília Conga.
Ao que os dados indicam, não se pretendia executar todos os rebeldes pois isso se tornaria uma perda material dos donos dos escravos. Assim, foi decidido pelo tribunal que se reuniu na Praça da Concórdia, diante da Igreja Matriz da Vila de Vassouras, que Manuel Congo seria enforcado e tantos outros foram condenados a “650 açoites a cada um, dados a cinquenta por dia, na forma da lei”, e a “três anos com gonzo de ferro ao pescoço”, como informa o memorando do coronel Vernek.
Pequenos levantes foram registrados nas décadas posteriores, diante disso os fazendeiros instauraram uma “comissão permanente” para impedir novo levante de escravos, e que recomendou, dentre outros, danças e folguedos, pois “quem se diverte não conspira” e práticas do Catolicismo, pois “a religião é um freio e ensina a resignação”.
Hoje a fazenda Freguesia é o Centro Cultural Aldeia de Arcozelo, em Paty do Alferes e a antiga capela da senzala se tornou o memorial dos escravos punidos na revolta de Manuel Congo. A revolta, pouco estudada, foi uma de centenas que ocorreram durante a escravidão brasileira, sendo a mais conhecida a história de Zumbi, do histórico Quilombo dos Palmares.
 
in Diário da Liberdade

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