Decorridos estes anos a justiça a Tony ficou pendente, pese embora um julgamento em várias sessões do polícia que disparou a arma que o matou, um julgamento em que a justiça esteve ausente, no seu decurso foi evidente que o julgamento que estava a decorrer era do morto e não a do agente que lhe provocou a morte. A justiça numa sociedade capitalista protege sempre os poderosos e os que a servem, Tony era um jovem de origem humilde com a particularidade acrecida de ser negro e viver num bairro estigmatizado .
Dez anos depois a sua família está resumida à sua mãe e irmã, um irmão morreu tal como o seu pai, desgostoso pelo desenrolar dos acontecimentos .
Entretanto , durante este periodo de tempo os exemplos de violência policial com práticas rascista tem-se multiplicados, somando-se um número significativo de mortos e vítimas de espancamentos gratuitos.
O caso Tony é um caso que suscitou grandes manifestações de repúdio, tal como condutas das forças policiais que subsistem impunemente, recordando os tempos do fascismo.
Até quando ...
Pormenor de pintura mural, com uma representação
de Tony, durante uma apresentação de dança
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Marginalidade, Repressão e o Germinar da Revolta PopularA 20 de Junho de 2002, fez agora um ano, foi assassinado um jovem negro no bairro da Bela Vista, em Setúbal. António Pereira, ou Tony, como era conhecido, era um activista do Centro Cultural Africano (CCA), e foi morto a tiro quando tentava resolver um conflito entre amigos. As circunstâncias exactas da morte continuam por esclarecer, e o seu assassino ainda não foi julgado. Mas algumas certezas existem: nenhum dos intervenientes - excepto o polícia - estava armado e nunca houve nenhuma ameaça que pudesse suscitar uma reacção tão extrema por parte dos agentes. É também conhecido o passado de conflito entre a população e a polícia instalada no bairro.As horas que se seguiram ao assassinato foram de uma violência raramente vista em Portugal, com uma ocupação policial de todo o bairro, incluindo várias unidades da Polícia de Choque e a presença dos GOEs (que ocuparam posições estratégicas nos telhados). As autoridades repressivas sabiam a dimensão da revolta que tinham acabado de criara e a capacidade de resposta de uma população ultrajada.
Ao polícia que assassinou Tony nada aconteceu. Apenas foi mudado de local de trabalho, afastando-o assim da ira popular, mantendo o seu salário e a sua ligação à instituição, durante o ano entretanto passado. Apenas ao fim de um ano foi concluído o inquérito interno, e suspenso o polícia, por "coincidência" uns dias antes do aniversário da morte, e pouco depois da Amnistia Internacional ter revelado o seu relatório sobre Portugal, onde o caso da Bela Vista era citado como um exemplo do "uso controverso de armas de fogo" por parte da polícia. Entretanto a polícia tem vindo a desencadear várias operações de charme, nomeadamente mantendo-se em contacto com as escolas do bairro e levando as crianças em visitas à esquadra (actividades que não existiam antes do assassinato). Aproximando-se o julgamento do caso, preparam-se as condições para que o polícia seja ilibado. A campanha de imprensa de limpeza da imagem da polícia e de criminalização dos jovens já começou, aproveitando o aniversário. Simultaneamente, são conhecidas as pressões directas ou indirectas sobre as testemunhas e os amigos de Tony (veja-se a sua ausência do marcha de homenagem). A principal testemunha apareceu "misteriosamente" espancada, e nunca mais recuperou a normalidade, estando esse jovem internado há vários meses e não conseguindo pronunciar uma única frase coerente. O Bairro da Bela VistaPara compreendermos o que é que possibilitou que se chegasse a esta situação tão explosiva, convém compreender um pouco melhor o bairro, a sua génese e a sua situação actual.Como vai sendo comum com muitos bairros populares de Portugal, o bairro da Bela Vista surge em Setúbal como uma grande operação para acabar com os bairros de lata da cidade. Foi projectado há mais de duas décadas para acolher habitantes de origem negra, cigana e outras etnias que viviam em barracas sem nenhumas condições espalhadas pela região. Mas entre as belas intenções declaradas e a realidade, há muito pouco em comum. Os bairros assim construídos foram projectados sem ter em conta nenhuma das especificidades dos seus habitantes, obedecendo apenas a critérios de alojar muita gente com um custo muito reduzido. Depois de obrigados a deixar os seus bairros de origem e de amontoados nestes novos guetos, os habitantes são completamente abandonados à sua sorte, sabendo-se que a manutenção destes bairros está muito acima das suas possibilidades financeiras. Sem manutenção, degradam-se as canalizações e as instalações eléctricas, desaparecem as árvores, os candeeiros e os jardins (para não falar de equipamentos megalómanos como lagos artificiais e espelhos de água). A recolha do lixo é semanal, enquanto no resto da cidade ela é quase diária. A cor cinzenta e a sujidade que tomam conta dos prédios e dos pátios, invadem também as mentes e a disposição dos seus habitantes. Uma elevada densidade populacional, associada ao imediato início da degradação do bairro, criam rapidamente as condições para que as únicas alternativas visíveis para os jovens sejam a droga e o crime. Apenas o grande espírito de entre-ajuda que ainda as comunidades africana e cigana, servem de contraponto a essa tendência. No entanto, a marginalidade continua a ser o caminho mais fácil para acesso a bens que lhes estariam normalmente vedados. E as armas da repressão também já estão afiadas na Bela Vista: a esquadra policial fica no seio do próprio bairro e entre os seus agentes estão alguns dos seus filhos. Isto faz com que compreendam melhor o funcionamento do bairro, mas isso é usado com o objectivo, não de facilitar a vida aos seus habitantes, mas sim de aperfeiçoar a repressão. Não é por acaso que a esquadra e os seus agentes sejam odiados por todo o bairro, pela prepotência e arbitrariedade da sua actuação. É neste ambiente que se tem também desenvolvida a revolta dos habitantes, em particularidade entre os jovens de origem africana. Exemplo disso foi o elevado espírito combativo e unidade demonstrado o ano passado após a morte do Tony. Por outro lado, a marginalidade cria grandes dificuldades a uma resistência organizada. Por um lado, cria uma escolha difícil entre a coerência de uma luta prolongada e o acesso fácil e imediato a bens desejados. Por outro lado, fragiliza os jovens perante as pressões policiais, como tem acontecido com as testemunhas do assassinato do Tony. É urgente a criação de uma elevada consciência de resistência no bairro da Bela Vista, Para tal há que eliminar também o espírito conciliador, muito disseminado no bairro, de algumas organizações que fazem tudo para "evitar o conflito", levando a que quem se revolte acabe por ficar desamparado e seja obrigado a recuar, com consequências trágicas. É necessário que os elementos mais avançados das massas se organizem e elevem o nível de resistência, para que os crimes policiais como o que levou a vida do Tony não mais fiquem impunes. |
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