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MANIFESTO
I. Em Portugal foram removidas as barreiras constitucionais e legais à espoliação do bem comum que é a água e dos direitos das pessoas à sua fruição, em benefício de grandes interesses económicos privados.
A privatização de facto verifica-se simultaneamente em várias frentes, que vão da
captação da água na natureza, passando pelas margens e os leitos dos rios, pelos
recursos pesqueiros marinhos, pelas infraestruturas públicas como portos e
barragens, até aos serviços públicos de abastecimento de água e saneamento de
águas residuais.
O aumento dos preços da água, seja em tarifas, seja em taxas e sobretaxas,
acarreta consequências directas em vários sectores económicos como o
agro-pecuário, as pescas, a indústria, a produção energética e os transportes
marítimos e fluviais. Efeitos muito agravados na produção e nos preços de bens
essenciais como os alimentos e a electricidade afectando toda a
população.
A aceleração da política de privatização anunciada pelo Governo, com ênfase para a
privatização do Grupo Águas de Portugal S.A. (AdP) operação iniciada em 2008
com a venda da empresa Aquapor - que controla já as origens e captação de água
da maior parte do País e numerosos sistemas completos de abastecimento de água e
saneamento, é ainda mais grave no quadro de aplicação das políticas do
FMI/CE/BCE que causam o empobrecimento generalizado da população e protegem o
lucro das grandes empresas do sector conduzindo a aumentos brutais da factura da
água e dos impostos e eliminando alternativas como fontanários ou captações
próprias.
Para além de o Estado vender ao desbarato um património comum valiosíssimo e essencial, entregaria às multinacionais o controlo das componentes essenciais do
abastecimento de água e saneamento, tornando dependentes centenas de autarquias
cujas competências nesse domínio foram já concessionadas em sistemas
multimunicipais a empresas do grupo AdP, num monopólio supramunicipal de
extensão e poder sem paralelo, mesmo em países onde a privatização é já uma
realidade.
A factura da água sobe de forma insuportável com a privatização, com a preparação do
negócio para a subordinação ao objectivo de maximização do lucro, com a
indexação de outras prestações à utilização doméstica da água e com a aplicação
de diversas taxas e o eventual aumento do IVA.
Estes aumentos agravam a pobreza e promovem a desigualdade social. Depois de reduzidas ao extremo, quase de privação, outras despesas, uma percentagem cada vez maior da população deixa de poder pagar a factura da água e é-lhe cortado o
fornecimento. Bloqueadas as alternativas de acesso à água, reduz-se
drasticamente a salubridade e higiene, aumenta o recurso a soluções sanitariamente precárias instalando-se as condições para a proliferação de doenças epidémicas.
II. A água é um bem comum, parte integrante e fundamental do constante movimento e evolução da natureza, determinante da composição atmosférica, do clima, damorfologia, das transformações químicas e biológicas, das condições de toda a vida na Terra.
É insubstituível nos ciclos geoquímico-biológicos e nas suas funções de suporte à
vida e ao bem estar humano. Não pode ser produzida, é móvel e reutilizável; as
interferências no seu percurso, as formas de utilização e a poluição podem
prejudicar, limitar ou inviabilizar a reutilização.
O ciclo da água liga todos os seres vivos. As funções ecológicas, sociais
e económicas da água são essenciais e têm de ser protegidas e asseguradas pelo Estado, garantindo a sua fruição comum e equitativa à população presente e às gerações futuras.
A evolução do Homem, a sua sobrevivência e desenvolvimento só foram possíveis pelo
aprofundamento do conhecimento da água, pela aprendizagem de processos de garantir o seu acesso quotidiano, por uma interacção constante com a água.
A água, nas várias fases do seu ciclo, nas diversas formas de presença e movimento na natureza, assim como as infra-estruturas construídas que permitem a interacção
entre os homens e a água são condomínio comum nos processos produtivos, aos quais são insubstituíveis, e no uso do território, cuja fisionomia, fertilidade e
habitabilidade condicionam.
O direito à água, reconhecido pelas Nações Unidas como um direito humano fundamental, faz parte do direito à vida. Todas as pessoas têm direito ao abastecimento de água e ao saneamento no seu local de residência, trabalho e permanência habitual, com a proximidade, quantidade e qualidade adequadas à sua segurança sanitária e ao seu conforto.
A água, os serviços de água, os recursos vivos aquícolas e as infraestruturas de fins públicos são património comum, que não pode ser alienado, arrendado nem
concessionado, assim como não pode ser lícita a privação da água nem qualquer
atribuição de privilégios ou concessão de direitos exclusivos sobre as águas ou
serviços de água.
Os serviços de águas têm de ter o objectivo de garantir de facto a universalidade de fruição do direito à água. Para isso, têm de ser de propriedade e gestão públicas e sem fins lucrativos, sendo necessário o reforço do investimento na manutenção,
modernização e ampliação dos sistemas de água, saneamento e tratamento de águas
residuais, melhorando a elevação dos níveis de cobertura, a qualidade de vida
das populações e a protecção das nossas águas e aquíferos.
Nem a água nem os serviços de águas podem ser objecto de negócio, mercantilização ou fonte de obtenção de lucros, sendo que a sua utilização deve ser hierarquizada pela
necessidade humana, segurança, interesse comum, maior número de beneficiados e
adequação ecológica.
III
Em todo o mundo, a luta pelos direitos à fruição da água, contra a privatização, tem
conseguido inúmeras vitórias reconquistando os serviços públicos. Também em
Portugal é possível travar a ofensiva privatizadora alertando e mobilizando as
populações.
Vençamos por antecipação, antes de atingir as situações extremas que levaram outros a mobilizar-se!
Defendamos a água que é de todos, recuperemos a que nos foi roubada!
Pela água de todos e para todos, juntos venceremos!
Lisboa, 21 Setembro 2011
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