CMA-J

Colectivo Mumia Abu-Jamal

Mumia Abu-Jamal:
Um Caso de Perseguição Política

Por C. Clark Kissinger, Refuse & Resist!

Os que reclamam a execução de Mumia Abu-Jamal não se cansam de dizer que este não é um caso político e que a ideia de ele estar a ser vitima de perseguição política é uma invenção ridícula da defesa. Dizem que sendo Mumia, até à sua prisão, um desconhecido em Filadélfia, porque razão alguém o iria fichar? Afirmam que Mumia é um criminoso de delito comum que inventou uma história de preso político para obter apoio.

O pedido de habeas corpus de Mumia demonstra o contrário: o seu caso é político, desde o princípio. Toda a imprensa de Filadélfia noticiou a morte do agente Faulkner em primeira página e destacou as actividades e convicções politicas de Mumia. A manchete do Philadelphia Inquirer dizia: “Jamal: um activista eloquente que não teme erguer a voz". O Daily News dizia que Jamal “tem o cabelo em dreadlocks e colabora com vários grupos de activistas negros... Na adolescência foi activista da secção de Filadélfia do Partido dos Panteras Negras”. Nesse artigo cita-se uma declaração de Mumia de 1970: “O povo negro está confrontado com a realidade enfrentada pelo Partido dos Panteras Negras: a do poder estar na ponta da espingarda”.

Outras notícias referiram as suas simpatias pelo MOVE, um grupo radical negro. Em 1978, nove membros deste grupo foram injustamente acusados da morte do agente James Ramp durante um ataque de grande envergadura contra a sua sede. A cobertura jornalística do julgamento dos nove do MOVE feita por Mumia – o mais caro, longo e polémico da história de Filadélfia – ganhou-lhe a inimizade da polícia e da câmara desta cidade.

A imprensa repetiu tanto que Mumia era um radical, que Claude Lewis, um colunista do Philadelphia Bulletin, censurou aos seus colegas o “desviarem-se da sua suposta postura de objectividade”. Escreveu: “Repetidamente atribuíram a Abu-Jamal uma predilecção pelo radicalismo e pela militância. Os relatos que fazem estão tão impregnados de uma paixão preconceituosa, que não admite qualquer possibilidade de inocência do suspeito, junto do público”. Ao mesmo tempo, as autoridades faziam do enterro de Faulkner uma cerimónia política. Colocaram as bandeiras a meia haste; convidaram 5000 pessoas para desfilarem junto ao cadáver e fizeram uma procissão de 250 carros. Juntamente com as notícias sobre o funeral, os meios de comunicação divulgavam a versão da policia sobre a morte do agente. Criaram um clima tão histérico que um colunista do lnquirer disse estarem os programas radiofónicos inundados de chamadas de ouvintes “que queriam linchar esse tal Mumia Abu-Jamal”.

O recurso menciona que dos 80 candidatos a jurados no julgamento de Mumia, 73 estavam familiarizados com essas notícias.

Em 1995, o procurador disse que este caso “é provavelmente um dos acontecimentos mais importantes para o sistema judicial penal de Filadélfia nos últimos 25 anos”.

Tanto o FBI como a polícia de Filadélfia espiavam Mumia desde a adolescência. A menos que espiem toda a população, não prova isso que tinham Mumia fichado há muito tempo? Só que em todos esses anos nunca tinham conseguido relacionar Mumia com nenhum delito. Como se pode dizer que este caso nada tem de político? Que é pura invenção da defesa? Que Mumia era “desconhecido” em Filadélfia até à morte de Faulkner? Que os jurados não foram influenciados pela propaganda a favor da policia? Que as autoridades não exploraram cuidadosamente as implicações políticas do julgamento?

UMA HISTÓRIA DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA

A obsessão da polícia politica por Mumia Abu-Jamal remonta a vários anos antes da morte de Faulkner. A defesa descobriu mais de 800 páginas de registos secretos do FBI e da policia mostrando que estes começaram a seguir-lhe os passos nos anos 60, quando ele tinha 15 anos apenas!

Aos 15 anos, Mumia foi um dos fundadores da secção de Filadélfia do Partido dos Panteras Negras (PPN); aos 17 escrevia artigos para o jornal nacional do PPN.

Em Agosto de 1970, quando Mumia era Ministro da Informação do PPN de Filadélfia, a polícia cercou, à meia-noite, a sede do PPN para impedir a realização de uma reunião. Para humilhar os Panteras, obrigou-os, sob a ameaça de espingardas, a despirem-se frente às câmaras de TV. A reunião, essa, realizou-se, apesar de tudo.

A polícia trazia Mumia debaixo de olho. Escutou as suas conversas telefónicas e colocou informadores a espiá-lo. Interrogou e hostilizou os seus familiares, amigos e professores. Um relatório de Fevereiro de 1973, do FBI, recomendou que o pusessem na “Lista de segurança”, por considerar que “quando surgisse a oportunidade, (Mumia) seria sem dúvida uma ameaça aos governos local e nacional”.

Nos anos 70, o trabalho político de Mumia virou-se para o jornalismo. Mas continuou a ser uma pedra no sapato das autoridades porque dava voz aos que em geral não têm voz.

Nesses anos, Frank Rizzo foi eleito presidente da câmara de Filadélfia. Durante o seu governo (1972 a 1980) a polícia matou 162 pessoas: 75 não cometeram delitos violentos, sendo baleadas quando iam a fugir. O mesmo relatório (de um grupo de investigadores federais) dizia que a polícia matava em média uma pessoa por semana e que duas em três vitimas (em 1975) eram negros ou latinos.

Nas palavras do jornalista premiado Linn Washington Jr, de Filadélfia: “Pedintes, pintores de graffitis ou padres proeminentes, sendo negros, tornavam-se nas principais vítimas de maus tratos policiais”. (Veja-se o excelente artigo de Washington, O reino de Frank Rízzo: Rebenta a brutalidade, no Livro de recursos sobre o caso de Mumia Abu-Jamal, editado por Refuse & Resíst!). A situação chegou a tal extremo que um juiz federal ordenou a remodelação daquele departamento de polícia. Mais tarde, o juiz William Rehnquist (actualmente presidente do Supremo Tribunal Federal) anulou a ordem.

Em 1979, após meses de luta política intestina, o Departamento de Justiça federal tomou uma medida inédita: demitiu Rizzo e duas dezenas de funcionários autárquicos. Washington escreveu: “A investigação acusou os funcionários da câmara de Rízzo de advogarem padrões de brutalidade policial... A investigação do Departamento de Justiça afirma que esses funcionários ‘levaram e continuam a levar a cabo políticas e práticas de maus tratos físicos generalizados, arbitrários e injustificados...’”. Mas, uma vez mais, os tribunais superiores protegeram Rízzo.

O artigo de Washington conclui: “Mumia Abu-Jamal fazia parte do punhado de jornalistas que constantemente informavam sobre a brutalidade policial. Essas noticias... atraíram-lhe a inimizade do autarca Rizzo e o ostracismo dos seus colegas da informação”.

OS 9 DO MOVE

O exemplo mais notório de maus tratos policiais ocorreu com os 9 do MOVE. Após vários anos de atritos entre o MOVE e as autoridades, Rizzo ordenou o cerco à sede do MOVE, em Powelton Village, para a desocupar pela fome. Em 16 de Março de 1978, centenas de agentes cercaram quatro habitações. Três semanas mais tarde, 3.000 pessoas manifestavam-se junto da câmara, protestando contra o cerco e levando água e comida à sede do MOVE. Parecia que a Rizzo o tiro lhe tinha saído pela culatra. Pelo que este resolveu negociar.

Quando a situação se acalmou, Rizzo violou o acordo: a 8 de Agosto mandou centenas de agentes anti-motim cercar de novo a sede e prender os membros do MOVE. Estes não obedeceram e a policia atacou com canhões de água. Ouviu-se um disparo (os jornalistas radiofónicos disseram que ele não veio da sede do MOVE) e todos os polícias começaram a disparar. No meio do tiroteio policial, o agente James Ramp morreu com um tiro. Quando os membros do MOVE (que estavam num sótão inundado segurando as crianças no alto para que estas não se afogassem) se entregaram, a polícia iniciou uma orgia de violência. O espancamento de Delbert Africa passou nos noticiários de todo o pais provocando uma onda de críticas a Rizzo.

Os nove membros do MOVE foram julgados pela morte de Ramp, tendo Mumia feito a cobertura do julgamento. Em 8 de Maio de 1980, o juiz Edwin Malmed sentenciou-os entre 30 e 100 anos de prisão (ainda estão presos). Após o veredicto, quando o juiz Malmed foi a um programa de rádio, Mumia ligou e perguntou-lhe: “Quem matou James Ramp?”. Malmed respondeu: “Não faço a menor ideia”. Isto atraiu sobre Mumia mais ódio, mas também o reforço da sua reputação de “voz dos que não tem voz”.

CONDENADO PELAS SUAS CONVICÇÕES POLÍTICAS

Não é necessário ler as actas do julgamento nem os velhos artigos da imprensa de Filadélfia para ver até que ponto foi político o julgamento de Mumia.

Durante a sentença, o juiz Albert Sabo permitiu que o procurador McGill interrogasse Mumia sobre uma declaração de 1970, quando ainda militava no PPN. McGill perguntou-lhe várias vezes se estava de acordo com a declaração de Mao Tsetung de que “o poder está na ponta da espingarda”. Mumia respondeu: “Creio que os Estados Unidos demonstraram a verdade dessa citação”. Quando McGill fez a alegação final, para o júri, recordou a pergunta para concluir que a filosofia de Mumia levava “à recusa completa da ordem pública”, apesar de Mumia não ter qualquer antecedente criminal!

Na fase de recurso, o Supremo Tribunal da Pensilvânia considerou o argumento válido. Disse que a militância no PPN, “uma organização política nada popular” com “uma filosofia de violência”, demonstrava que o réu “há muito sentia desprezo pelo sistema”. E assim, transformou-se o desprezo pelo sistema num crime punível com a pena de morte!

O Supremo Tribunal federal não chegou a tal extremo. Avaliando a condenação à morte de um racista branco, no estado do Delaware, com base nas suas ideias e ligações políticas (seguindo o precedente aberto com o caso Mumia) considerou a sentença inconstitucional. Mas, o Supremo Tribunal já não aceitou estabelecer um paralelo entre este caso e o de Mumia: a sentença de morte do racista de Delaware foi anulada, a de Mumia não.

No recurso de 1998 ao Supremo Tribunal da Pensilvânia, Mumia referiu a decisão do Supremo Tribunal federal no caso Dawson vs. Delaware. E o tribunal, então, “deu uma nova explicação: o facto de Jamal ter citado Mao Tsetung demonstra que ele ‘utilizaria a violência se esta fosse necessária para travar aquilo que o Partido (Panteras Negras) entendia como brutalidade policial desenfreada contra os seus militantes’” (do memorando da defesa). Ou seja, o Supremo Tribunal da Pensilvânia “alterou as suas próprias palavras, de 1989, para que agora estas encaixem com a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos no caso Dawson”.

Resumindo: Um jovem entra numa organização revolucionária. Em consequência, a polícia espia-o durante 15 anos. Durante esse tempo o jovem critica constante e publicamente um departamento de policia brutal e repressivo, ao ponto do Departamento de Justiça iniciar uma investigação. Quando esse homem é preso, todos os jornais contam a sua história política e falam das suas ideias. A orgia dos preconceitos na imprensa chega a tal ponto que, alguns jornalistas conservadores a condenam. Durante o julgamento, o Ministério Público sustenta que a militância numa organização revolucionária é razão suficiente para condenar à morte. No recurso, o Supremo Tribunal da Pensilvânia diz que, como o réu “há muito que sente desprezo pelo sistema” merece a pena de morte. Assim se nos apresenta o caso de Mumia Abu-Jamal.

Não é este um processo político? O caso de Mumia está empapado de política de uma ponta a outra. Quando começou, em 1981, a policia tratou de apagar uma “nódoa”, silenciando para sempre um inimigo político consequente. Hoje, estão muito mais coisas em jogo: há uma campanha em marcha para executar o homem que denunciou (ultrapassando as fronteiras do pais) as políticas do sistema, e que por isso foi injustamente parar ao pavilhão da morte.

Para parar esta execução temos de demonstrar, sem lugar para dúvidas, que estamos perante um caso de perseguição política.

ACUSAÇÃO PÚBLICA: VERSÕES CONTRADITÓRIAS E “AUTOCENSURA”

Depois de iniciar esta série de artigos, os advogados de Mumia moveram uma acção importante, pedindo a “revisão” federal do processo judicial da Pensilvânia por este não ser “razoável”. A acção mostra a pouca razoabilidade do juiz Alberto Sabo na apreciação dos factos, concluindo que “não se pode considerar válido o processo de avaliação dos factos pelo tribunal estatal porque o juiz Sabo tinha grandes preconceitos e inimizade para com Jamal em particular e, para com todos os acusados em geral”. Irei citar essa moção e o memorando de 7 de Dezembro durante esta série de artigos e dedicarei todo um artigo ao “grande preconceito e inimizade” de Sabo.

Por agora, irei descrever os factos que constam do memorando. A Parte 4 examinará os pontos levantados pela defesa acerca das violações da lei pelo juiz e os erros da acusação pública que impediram Mumia de ter um julgamento imparcial.

Começo por um ponto importante: na actual fase de apelo, a defesa não tem que demonstrar que Mumia é inocente. Nem, tampouco, de quem é a culpa realmente. Só tem de demonstrar que os erros cometidos pelo juiz e o Ministério Público impediram um julgamento imparcial em 1982.

Os que se opõem a um novo julgamento querem obrigar a defesa a apresentar outra versão dos factos, apontando culpados, ou que esta obrigue Mumia a “contar a sua versão”. Isto não é sério.

O que o tribunal distrital federal tem de decidir é se Mumia teve um julgamento imparcial ou não. Por isso, examinemos as provas detalhadas que constam do memorando.

FAULKNER MANDA PARAR BILLY COOK

Todos aceitam que o incidente começou quando o agente Daniel Faulkner mandou parar o carro de Billy Cook, irmão de Mumia, às 4 horas da manhã, junto da esquina da rua 13 com a Locust. Faulkner informou a esquadra por rádio sobre o lugar onde se encontrava e, antes de se apear, pediu reforços. Como a acusação pública diz que Cook estava sozinho no carro, não se percebe por que razão Faulkner pediu reforços face a uma infracção de trânsito corriqueira.

Três testemunhas de acusação e uma de defesa depuseram sobre o incidente, e todos disseram que Faulkner se apeou primeiro. A principal testemunha apresentada pelo Ministério Público, Cynthia White, disse que Faulkner e um outro ocupante do carro de Cook se apearam e se dirigiram, a conversar, para o passeio; que ao chegarem junto dele o homem agrediu Faulkner na cara; que Faulkner virou o homem, pôs-lhe as mãos nas costas e fez como se o fosse algemar (não se encontraram algemas no local).

Outra testemunha, Mark Scanlan, deu uma versão muito diferente. Disse que Faulkner estava na rua, não no passeio; que Faulkner agrediu um homem deitado na capota do carro da policia com uma lanterna ou bastão. Esta versão coincide com a dos polícias que prenderam Cook; estes disseram que este sangrava da cabeça, do pescoço e da cara. Uma terceira testemunha da acusação pública, Albert Magilton, disse que viu Faulkner a mandar parar o carro; que ele e um civil se puseram a caminhar .Porém virou-se e só voltou a olhar quando ouviu os disparos.

A testemunha de defesa Dessie Hightower viu o incidente claramente. Disse que Faulkner não se dirigiu ao lado do condutor mas ao do passageiro e que o prendeu. Também disse que viu “um homem negro sentado (no carro), possivelmente um jamaicano”, imediatamente a seguir aos disparos. A presença de uma segunda pessoa no carro poderia explicar o pedido de reforços por Faulkner e a origem da carta de condução encontrada nas suas mãos, depois de morto (facto que a acusação pública escondeu da defesa e dos jurados durante o julgamento de 1982).

OS DISPAROS

Três testemunhas disseram que viram Mumia caminhar no outro lado da rua e depois a correr para onde Faulkner agredia o seu irmão. Magilton e Scanlan disseram que Mumia não tinha nada nas mãos, que não o viram disparar ao aproximar-se de Faulkner, nem fogachos de pistola. No diagrama do incidente feito por Scanlan, Faulkner estava de frente para Mumia quando este se aproximou. Cynthia White ê a única testemunha a dizer que Mumia tinha uma pistola na mão.

Um aspecto muito curioso do testemunho é que durante o julgamento nenhuma testemunha se recordava de ter visto Faulkner disparar sobre Mumia, nem sequer White, que disse ter visto todo o incidente. Porém o facto de Faulkner ter baleado Mumia é o único aspecto deste caso que é aceite por todos! A bala que lhe entrou no peito, disparada de cima para baixo, passou pelas costelas, perfurou-lhe o fígado e acabou por se alojar na parte inferior das costas. No diagrama de Scanlan, Mumia estava na rua no momento do primeiro disparo. E até White disse que Faulkner estava no passeio, imobilizando Cook contra o carro, ou seja, de frente para Mumia, enquanto este aproximava. O memorando diz que a explicação que está mais de acordo com os testemunhos (excepto o de White) e com os ferimentos de Mumia é a de que Faulkner baleou Mumia quando este se aproximava pela rua.

A versão do Ministério Público é a de que Mumia correu para Faulkner, deu uma volta em torno dele e o baleou pelas costas. Logo, Faulkner – gravemente ferido e cambaleante – virou-se e disparou, sobre Mumia, uma bala que entrou por baixo. Depois Mumia disparou à cabeça do agente, prostrando-o. Diversos especialistas em direito acreditam que o Ministério Público escolheu esta versão dos factos, por improvável que seja, porque é a única que coloca a possibilidade de homicídio premeditado, o que na Pensilvânia é punido com a pena de morte.

Esta versão tem dois problemas importantes. Já mencionei o primeiro: a trajectória da bala indica que Faulkner baleou Mumia a partir de cima. O segundo está em que a única testemunha que corrobora a versão do Ministério Público é a de Cyntia White. As outras disseram que viram Mumia (ou alguém com ele parecido) a balear Faulkner. Não sabem quem disparou primeiro nem como foi baleado Mumia.

O testemunho de White é muito duvidoso. Quando do julgamento, arriscava-se a uma pena de 18 meses, no Massachusetts, por prostituição. Em Filadélfia tinha sido presa 38 vezes pelo mesmo delito e tinha três julgamentos marcados. White fez uma declaração na noite do incidente. Depois os agentes da esquadra de Faulkner colocaram a sua foto no placard com a indicação de a trazerem à secção de homicídios quando a prendessem.

Efectivamente, prenderam-na duas vezes, nos dez dias seguintes; das duas vezes levaram-na para a secção de homicídios tendo, após cada uma das visitas, mudado as suas declarações, tomando-as mais gravosas para Mumia. No tribunal, White disse que o diagrama que desenhou na noite do incidente estava errado, assim como a estimativa sobre a altura do homem que disparou e a descrição da posição das pessoas. (Em próximo artigo examinarei as relações da policia com Cyntia White... e como ocultá-las dos jurados constitui uma violação das normas judiciais e dos direitos de Mumia).

Outra testemunha chave da acusação pública foi Robert Chobert, um taxista, que disse ter levantado o olhar ao ouvir o primeiro tiro e não ter visto Faulkner a balear Mumia. O memorando regista que, a isto ser verdade, confirma-se que Faulkner baleou primeiro Mumia. Cholbert disse que o homem que disparou sobre Faulkner media 1,80 metros de altura e pesava entre 90 e 100 quilos (Mumia pesava 77 quilos); que ouviu disparos mas não viu pistola nem fogachos. No tribunal afirmou que Mumia era o assassino, apesar deste não se enquadrar na sua própria descrição. Para a polícia foi muito fácil coagir Cholbert: estava em liberdade condicional por um delito grave e trabalhava como taxista apesar de ter a licença suspensa (o juiz e o acusador público não informaram os jurados destes factos. Também os examinarei em próximo artigo).

Scanlan identificou Mumia – erradamente – como o condutor do Volkswagen e admitiu que houve “muita confusão quando os três homens se encontravam à frente do carro”. Disse que o homem que disparou tinha “o cabelo à afro” e que não foi Mumia (que tinha o cabelo em dreadlocks). O memorando regista que Scanlan (um branco) não podia distinguir bem um negro de outro, o que é importante havendo um outro passageiro (e não só Cook) no carro. De facto, Scanlan só pôde dizer com segurança que ouviu os disparos e que o homem que disparou tinha o cabelo à afro. A última testemunha do Ministério Público, Magilton, disse que viu Mumia atravessar a rua mas não o viu disparar.

O HOMEM QUE FUGIU

Cinco testemunhas disseram que viram um homem fugir do local do crime antes da chegada dos outros polícias; uma disse que foi ele que disparou sobre Faulkner.

Dessie Hightower, universitário e testemunha de defesa, disse que 13 a 15 segundos depois dos disparos viu um homem de 1,70 metros de altura, com o cabelo em dreadlocks, correr pelo lado Sul da rua Locust e desaparecer. Chobert disse à polícia que o homem que disparou “fugiu correndo” e, mais tarde, que correu 9 metros na direcção referida por Hightower. Mas, no tribunal; mudou a sua versão dizendo que correu 3 metros e que, na noite do incidente, se tinha enganado.

No princípio, Veronica Jones disse que viu dois homens a “fugir em passo de corrida” do local pela rua Locust. No tribunal disse que se tinha enganado (porém quando começou a explicar que a polícia a coagiu a mudar a sua versão, o juiz Sabo interrompeu-a, dizendo que isso não era “pertinente” e ordenou ao advogado de Mumia que não fizesse mais perguntas a esse respeito. Falarei sobre Veronica Jones em próximo trabalho).

Debbie Kordansky, uma testemunha que não foi ouvida em tribunal, disse que viu “um homem correr pelo lado Sul da rua Locust”; nas audiências judiciais de 1995 William Singlertery disse que Jamal não matou Faulkner e que o homem que disparou fugiu pela rua Locust.

MUMIA NO HOSPITAL

Depois de agredir Mumia, a polícia levou-o a um hospital, onde o atenderam às 5:10 horas. O médico, O Dr. Coletta, disse que Mumia estava “débil... quase a desmaiar... não conseguia pôr-se de pé”. Outro médico disse que estava letárgico. Todas as testemunhas no hospital dizem que não podia caminhar por seu próprio pé. Dois agentes (Gary Wakshul e Stephen Trombetta) ficaram com ele. Nenhum deles referiu qualquer comentário inusual por parte de Mumia. De facto, Wakshul escreveu no seu relatório que “o homem negro não fez qualquer declaração” e, numa entrevista uma semana depois do incidente, também não mencionou qualquer confissão.

Dois meses mais tarde, Gary Bell (companheiro de trabalho de Faulkner) e Priscilla Durham (segurança do hospital) de repente começaram a dizer que ouviram Mumia gritar no hospital: “Baleei o filho da puta e oxalá que morra”. O memorial regista que Bell não mencionou essa suposta confissão em nenhum dos seus apontamentos diários, nem a relatou a outros polícias, à sua esposa, seu irmão nem a ninguém, até ser interrogado pelos agentes dos Serviços Internos, em 25 de Fevereiro. Bell disse no programa de notícias 20/20 da ABC News que a confissão o chocou tanto, que a reprimiu até lhe terem feito essa pergunta, especificamente. Na realidade, quando os detectives o interrogaram, a 16 de Dezembro, não lhes disse nada a esse respeito.

Também Durham nunca se referiu à confissão, apesar de estar em contacto diário com os agentes, no hospital. Nem sequer a mencionou quando foi interrogada pelos detectives. Como Bell, só se recordou dela dois meses após do incidente. O facto deu lugar ao seguinte diálogo, no tribunal, em 1982:

Acusado: Senhora Durhan, porque esperou até 2 de Fevereiro para fazer uma declaração?

Juiz: O.K. É óbvio, senhor Jamal, que o seu objectivo é desestabilizar o julgamento perante os jurados.

Acusado: Não o estou a desestabilizar, mas a defender-me.

Juiz: Uma vez mais, vou expulsá-lo da sala.

Durham disse no tribunal que deu, em mão, uma declaração, pouco depois do incidente, a um investigador do hospital. Porém nunca apareceu tal declaração. Uma vez, o juiz Sabo permitiu que a acusação pública apresentasse uma cópia da declaração, escrita à máquina e sem assinatura, apesar de Durham dizer que nunca a tinha visto.

Em contradição com as afirmações dos médicos, Durham disse que Mumia se contorcia violentamente e gritava, que os agentes tinham de o segurar e que foi nestas circunstâncias que ouviu a confissão. Estranhamente, nenhum dos 15 a 20 agentes, que segundo Durham estavam no hospital (a segurar Mumia), mencionou o facto do suspeito do homicídio de um polícia ter feito uma confissão pública.

AS PROVAS BALÍSTICAS

Por último, as provas relativas aos exames balísticos da pistola encontrada no local dos acontecimentos, pertencente a Mumia. O Ministério Público afirmou que, de acordo com as provas balísticas, a bala encontrada no corpo de Faulkner tinha ranhuras “compatíveis” com a pistola de Mumia. Documento recente revela que essas provas balísticas estão cheias de incongruências e que a defesa não pôde contratar um perito próprio. Mais, “compatíveis com” é um conceito muito elástico. A defesa alega que “os jurados deviam ter sido informados por um especialista, que a quantidade de pistolas compatíveis com a bala retirada do corpo do policia se contam por milhares!” Nenhuma prova relacionou, em definitivo, a bala à pistola de Mumia.

A defesa também argumenta que teria sido muito fácil e óbvio recolher outras provas básicas na noite do incidente: primeiro – examinar as mãos de Mumia para ver se tinham resíduos de nitrato (que ficam quando alguém dispara uma pistola); segundo – examinar a pistola para ver se tinha sido disparada. O documento diz: “A falta dessas provas é tão espantosa... que a única conclusão racional é terem os resultados dessas provas sido ocultados por não concordarem com a teoria do Ministério Público”.

CONCLUSÃO

As provas do Ministério Público são muito pouco convincentes. Mas o que o tribunal de apelação tem de decidir NÃO é se estas são ou não suficientes para condenar o acusado, mas se as provas foram de tal maneira manipuladas, ao ponto de os jurados terem sido impedidos de avaliar correctamente a verdade; se o tribunal ocultou provas (algumas delas aqui referidas) que teriam permitido à defesa refutar os argumentos da acusação pública; se o tribunal violou as suas próprias normas impedindo Mumia de exercer os seus próprios direitos e de ter justiça. Proximamente examinarei isto com maior detalhe e demonstrarei que a acusação pública alterou algumas provas, que com toda a probabilidade fabricou outras e impediu a defesa de apresentar importantes provas de inocência (inclusive de saber da sua existência)... e de como tudo isso viola as suas próprias normas.

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