Faz amanhã, dia 20 de Junho, dez anos que foi morto pela polícia o jovem Tony, António Pereira de 24 anos que viu a sua vida ceifada por um disparo de shotgun quanto estava a tentar apaziguar uma zanga entre amigos no seu bairro, a Bela Vista em Setúbal.
Decorridos estes anos a justiça a Tony ficou pendente, pese embora um julgamento em várias sessões do polícia que disparou a arma que o matou, um julgamento em que a justiça esteve ausente, no seu decurso foi evidente que o julgamento que estava a decorrer era do morto e não a do agente que lhe provocou a morte. A justiça numa sociedade capitalista protege sempre os poderosos e os que a servem, Tony era um jovem de origem humilde com a particularidade acrecida de ser negro e viver num bairro estigmatizado .
Dez anos depois a sua família está resumida à sua mãe e irmã, um irmão morreu tal como o seu pai, desgostoso pelo desenrolar dos acontecimentos .
Entretanto , durante este periodo de tempo os exemplos de violência policial com práticas rascista tem-se multiplicados, somando-se um número significativo de mortos e vítimas de espancamentos gratuitos.
O caso Tony é um caso que suscitou grandes manifestações de repúdio, tal como condutas das forças policiais que subsistem impunemente, recordando os tempos do fascismo.
Até quando ...
Pormenor de pintura mural, com uma representação
de Tony, durante uma apresentação de dança
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"Porque Morreu?": Manifestação de indignação dos  jovens do bairro da Bela Vista, após o assassinato de Tony em   |  
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Artigo de imprensa sobre o caso Tony em 2003 in blog página vermelha
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| O Assassinato de Tony e o Bairro da Bela Vista : |  
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Marginalidade, Repressão e o Germinar da Revolta PopularA 20 de Junho de 2002, fez agora um ano, foi assassinado um jovem negro no 
bairro da Bela Vista, em Setúbal. António Pereira, ou Tony, como era conhecido, 
era um activista do Centro Cultural Africano (CCA), e foi morto a tiro quando 
tentava resolver um conflito entre amigos. As circunstâncias exactas da morte 
continuam por esclarecer, e o seu assassino ainda não foi julgado. Mas algumas 
certezas existem: nenhum dos intervenientes - excepto o polícia - estava armado 
e nunca houve nenhuma ameaça que pudesse suscitar uma reacção tão extrema por 
parte dos agentes. É também conhecido o passado de conflito entre a população e 
a polícia instalada no bairro.As horas que se seguiram ao assassinato foram de uma violência raramente 
vista em Portugal, com uma ocupação policial de todo o bairro, incluindo várias 
unidades da Polícia de Choque e a presença dos GOEs (que ocuparam posições 
estratégicas nos telhados). As autoridades repressivas sabiam a dimensão da 
revolta que tinham acabado de criara e a capacidade de resposta de uma população 
ultrajada.
 
 
 
Durante 
várias horas, a polícia disparou indiscriminadamente, espalhando o pânico entre 
os habitantes e ferindo várias pessoas. A população foi impedida de sair de 
casa, ou de regressar a casa. Apenas a determinação dos jovens que enfrentaram a 
polícia e a presença da imprensa impediu consequências mais graves. Os jovens 
cercaram a muito odiada esquadra da polícia instalada no bairro. Durante vários 
dias a tensão esteve presente no bairro. Uma gigantesca manifestação viria a 
percorrer as ruas de Setúbal, mostrando a férrea unidade então conseguida entre 
os jovens, a qual não se voltou a repetir com a mesma dimensão. 
Tony era conhecido no bairro pelo seu comportamento exemplar, em particular 
pelas suas actividades no CCA, incluindo a sua dedicação às crianças apoiadas 
pelo CCA e o seu envolvimento nas actividades musicais e de dança. Dificilmente 
se poderia confundir com a imagem de marginal com que a polícia o tentou 
caluniar, e que a o poder e a imprensa têm tentado colar aos jovens do bairro.
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As condições degradantes em que são obrigados a 
viver os habitantes do bairro  |  Ao polícia que assassinou Tony nada aconteceu. Apenas foi mudado de local de 
trabalho, afastando-o assim da ira popular, mantendo o seu salário e a sua 
ligação à instituição, durante o ano entretanto passado. Apenas ao fim de um ano 
foi concluído o inquérito interno, e suspenso o polícia, por "coincidência" uns 
dias antes do aniversário da morte, e pouco depois da Amnistia Internacional ter 
revelado o seu relatório sobre Portugal, onde o caso da Bela Vista era citado 
como um exemplo do "uso controverso de armas de fogo" por parte da polícia.
 Entretanto a polícia tem vindo a desencadear várias operações de charme, 
nomeadamente mantendo-se em contacto com as escolas do bairro e levando as 
crianças em visitas à esquadra (actividades que não existiam antes do 
assassinato). Aproximando-se o julgamento do caso, preparam-se as condições para 
que o polícia seja ilibado. A campanha de imprensa de limpeza da imagem da 
polícia e de criminalização dos jovens já começou, aproveitando o aniversário. 
Simultaneamente, são conhecidas as pressões directas ou indirectas sobre as 
testemunhas e os amigos de Tony (veja-se a sua ausência do marcha de homenagem). 
A principal testemunha apareceu "misteriosamente" espancada, e nunca mais 
recuperou a normalidade, estando esse jovem internado há vários meses e não 
conseguindo pronunciar uma única frase coerente.
 
 
Para compreendermos o que é que possibilitou que se chegasse a esta situação 
tão explosiva, convém compreender um pouco melhor o bairro, a sua génese e a sua 
situação actual. O Bairro da Bela VistaComo vai sendo comum com muitos bairros populares de Portugal, o bairro da 
Bela Vista surge em Setúbal como uma grande operação para acabar com os bairros 
de lata da cidade. Foi projectado há mais de duas décadas para acolher 
habitantes de origem negra, cigana e outras etnias que viviam em barracas sem 
nenhumas condições espalhadas pela região. Mas entre as belas intenções 
declaradas e a realidade, há muito pouco em comum. Os bairros assim construídos 
foram projectados sem ter em conta nenhuma das especificidades dos seus 
habitantes, obedecendo apenas a critérios de alojar muita gente com um custo 
muito reduzido. Depois de obrigados a deixar os seus bairros de origem e de 
amontoados nestes novos guetos, os habitantes são completamente abandonados à 
sua sorte, sabendo-se que a manutenção destes bairros está muito acima das suas 
possibilidades financeiras.
 
  Sem manutenção, degradam-se as 
canalizações e as instalações eléctricas, desaparecem as árvores, os candeeiros 
e os jardins (para não falar de equipamentos megalómanos como lagos artificiais 
e espelhos de água). A recolha do lixo é semanal, enquanto no resto da cidade 
ela é quase diária. A cor cinzenta e a sujidade que tomam conta dos prédios e 
dos pátios, invadem também as mentes e a disposição dos seus habitantes. Uma elevada densidade populacional, associada ao imediato início da 
degradação do bairro, criam rapidamente as condições para que as únicas 
alternativas visíveis para os jovens sejam a droga e o crime. Apenas o grande 
espírito de entre-ajuda que ainda as comunidades africana e cigana, servem de 
contraponto a essa tendência. No entanto, a marginalidade continua a ser o 
caminho mais fácil para acesso a bens que lhes estariam normalmente vedados. E 
as armas da repressão também já estão afiadas na Bela Vista: a esquadra policial 
fica no seio do próprio bairro e entre os seus agentes estão alguns dos seus 
filhos. Isto faz com que compreendam melhor o funcionamento do bairro, mas isso 
é usado com o objectivo, não de facilitar a vida aos seus habitantes, mas sim de 
aperfeiçoar a repressão. Não é por acaso que a esquadra e os seus agentes sejam 
odiados por todo o bairro, pela prepotência e arbitrariedade da sua actuação.
 É neste ambiente que se tem também desenvolvida a revolta dos habitantes, em 
particularidade entre os jovens de origem africana. Exemplo disso foi o elevado 
espírito combativo e unidade demonstrado o ano passado após a morte do Tony. Por 
outro lado, a marginalidade cria grandes dificuldades a uma resistência 
organizada. Por um lado, cria uma escolha difícil entre a coerência de uma luta 
prolongada e o acesso fácil e imediato a bens desejados. Por outro lado, 
fragiliza os jovens perante as pressões policiais, como tem acontecido com as 
testemunhas do assassinato do Tony.
 É urgente a criação de uma elevada consciência de resistência no bairro da 
Bela Vista, Para tal há que eliminar também o espírito conciliador, muito 
disseminado no bairro, de algumas organizações que fazem tudo para "evitar o 
conflito", levando a que quem se revolte acabe por ficar desamparado e seja 
obrigado a recuar, com consequências trágicas. É necessário que os elementos 
mais avançados das massas se organizem e elevem o nível de resistência, para que 
os crimes policiais como o que levou a vida do Tony não mais fiquem impunes.
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